coisas estranhas # - 49
vada bibliotecária
meu primeiro amor
eis que aquela menina vada do meu primeiro amor cresceu e pasmem: virou bibliotecária. azar dela.
é que nesta temporada do halt and catch fire, série que estimo muito, anna chlumsky cover da courtney love aparece como doutora em biblioteconomia e é contratada pra ser diretora de ontologia da empresa. a trama da série está girando agora em torno do browser wars de meados da década de 90 e tudo relacionado à busca na internet. a cena que ela aparece sendo entrevistada para o job e o capítulo inteiro S04E04 é uma boa analogia para o trabalho bibliotecário. deixem eu tentar explicar:
alguém lá nos primórdios da web pensou em criar um website de websites, o que terminaria como algo similar ao que o yahoo foi. dada a profusão de sites, era uma demanda natural dos usuários que tudo fosse organizado em formato de índice ou categorias, para que os sites pudessem ser melhor mapeados e identificados. a doutora em biblio é contratada pra resolver esse problema, de indexar sites. em uma cena inicial ela é perguntada como categoriza seus discos (e comete a heresia de não citar darkthrone dentro da categoria do norweigean black metal) e como classificaria um website sobre “barks” (que em inglês é latido, mas pode significar muitas outras coisas). vejam a cena aqui.
funcionária perfeita para a empreitada, tudo lindo, exceto que a outra gênia da série é cypherpunk e está sempre alguns anos a frente de seu tempo, e argumenta que a proposta de categorizar a web é interessante, mas que não vai funcionar quando ela atingir um número muito grande de sites, e quando isso acontecer será necessário um algoritmo para realizar as decisões de classificar e encontrar um determinado site. que é exatamente uma antevisão do que o google viria a ser, destronando o yahoo anos depois, e tornando irrelevante o esforço de ontologia (não se preocupem aqui com a definição ou diferença entre ontologia, taxonomia, classificação, indexação e categorias).
pois bem, a contratação da doutora em biblio é boa analogia pelo seguinte: a melhor maneira de explicar para o leigo o que faz um bibliotecário é fazê-lo descrever o modo como organiza suas roupas no armário. todos nós temos algum sistema de categorização que nos permite encontrar determina peça de roupa entre tantas outras roupas. ninguém razoável mistura meias com camisas, mas mesmo que fizesse, não seria tão difícil encontrar alguma peça específica dentro de um bolinho de roupas. o problema é quando vc é a kim kardashian e em vez de 5 vestidos vc tem 5000. como encontrar um único vestido dentre tantos, muitos tantos?
a resposta para essa pergunta é o que leva uma série de jovens sem perspectivas de vida, oriundos das classes mais empobrecidas da população a tentar o vestibular para biblioteconomia: aquele curso universitário que leva 4 anos pra ensinar a colocar livros de volta na estante. é isso e exatamente isso. só esquecem de mencionar que na verdade é o tempo que leva pra ensinar a colocar não só um único livro na estante, mas 1 milhão de livros ou 1 milhão de discos, panelas, roupas, etc.
o princípio técnico da biblioteconomia, o que o difere em alguma medida das outras profissões e de áreas correlatas, é o de organização para fins de recuperação (organização sendo o problema apresentado à personagem da doutora katie e recuperação o problema previsto pela cameron) . isso começou lá no mundo antigo, quando acumularam tantas notas fiscais paulista em formato de tabuletinhas de barro que o contador da época precisou estabelecer alguma metodologia para saber quem tava pegando o que, quem devia a quem, quanto e quando iria pagar. o ethos da profissão depois abraçou causas singelas e humanitárias que são o de salvaguardar a herança cultura humana e promover a autonomia intelectual das pessoas. existem diferentes tipos de biblioteca, mas em resumo as universitárias e especializadas são aquelas que servem no incremento às áreas do conhecimento, enquanto que a biblioteca escolar está para auxiliar no processo formativo intelectual, apreço à leitura e habilidade em avaliar criticamente conteúdo textual. as bibliotecas públicas são as que garantem acesso à herança intelectual, servindo de modo utilitário ou entretenimento, supostamente sem censura, nem à pessoas, nem livros.
isso tudo é muito bonito, e a contratação da bibliotecária na série expõe o desafio que é organizar coisas em uma perspectiva de crescimento cumulativo do acervo. algoritmos que se aprimoram por meio de machine learning impõem uma velocidade de resposta que os bibliotecários nunca serão capazes de prover, mas a gente insiste em encher a boca para citar o gaiman: “o google te dá zilhões de respostas, mas os bibliotecários te dão a resposta correta”.
essa é uma abstração que contrasta um mundo de organização na escala física com outro de escala digital. tudo muda quando vc pode simplesmente categorizar um objeto em quaisquer categorias quanto desejar porque o esforço é mínimo e o custo irrisório (ninguém mais se preocupa em como organizar as fotos no computador, porque bem, foda-se). isso é só o começo do problema na verdade mas vou parar porque não é minha praia problematizar a simples arte de colocar livros nas estantes. quem tiver interesse, existem bons livros para não-bibliotecários que tratam da categorização como questão elementar da biblioteconomia. são eles:
2. glut: mastering information through the ages
3. a história universal da destruição dos livros
no meio tempo assistam Halt and Catch Fire, está na última temporada e é uma excelente série. meio técnica às vezes, mas tem girl power e tem a visão de gente que nasceu quando não tinha internet (tem um episódio inteiro deles conversando no telefone de linha, e isso pareceu algo que se fazia trocentos anos atrás).
numa próxima newsletter eu vou ensinar procês como organizar os livrinios em casa.
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