coisas estranhas # - 35
The Long and Winding Road
A Estrada
Ainda estupefato pela ausência de alface decorrente da greve dos caminhoneiros e a fragilidade do nosso grid (como a civilização pode colapsar bem rápido), resolvi reler o The Road/A Estrada.
Eu me tornei adulto em um mundo de aquecimento global e tsunamis e crise financeira, um paranóide similar aos que cresceram durante a guerra fria e iminência de inverno nuclear. Embora eu não tenha cumprido meu sonho juvenil de ter sido escoteiro como muitos dos meus amigos foram, nunca me faltou a preocupação com sobrevivência na selva no dia do julgamento final. Ou seje: stuff white people like. Mas não só eu, a consciência coletiva sofreu um pouco nesses anos atrás com a enxurrada de conteúdo distópico apocalíptico e pós-apocalíptico, zumbis e pragas e terrorismo, o que parece falar de alguma ansiedade que sentimos como sociedade. Eu já era misantropo antes do black metal, então confesso meu fetiche em ver como os sapiens agem quando não há nenhuma esperança, nenhum consolo e nada no futuro a não ser tragédia e morte.
Lembrava que o The Road era um livro curto e chato (em relação ao desastre e ambiência), mas gostava da ideia do McCarthy tornar atraente (em relação à conexão entre sobreviventes) o mundo opressivo. Ensaio sobre a cegueira, Walking Dead quadrinhos, Só a Terra permanece, etc, vão sempre na mesma linha (relação do personagem principal com demais sobreviventes), gosto deles todos na mesma medida.
Eu curto um pouco tb o lance do pré-apocalipse, como se preparar e se comportar em situações extremas, mas a hipérbole da calamidade pública no The Road livro ou filme é tanta que só sobra a experiência humana em último nível. É pós Locke e Hobbes, é o comportamento dos últimos homens na Terra, não tem saída. A violência, ninguém além de canibais e vítimas, nenhum dos quais é consciente o suficiente para retomar o grid e fazer o tecido social voltar ao normal. Eu só quis sentir e absorver o vazio absoluto depois de terminar de ler. No fundo eu estava torcendo pelo manifesto nihilista contra a humanidade e pra história terminar de maneira horrível, mas o que fica é aquele drama esperançoso no final disfarçado de horror apocalíptico. Então esse é o primeiro sentimento dA Estrada. Ok.
O sentimento da segunda leitura é o da suspeita que o McCarthy não escreveu a história que ele queria, ou porque ele não tinha coragem de enfrentar tais temas ou simplesmente não queria fazê-lo publicamente (Stephen King sim). Misantropia de lado, o final canibal catamita não deveria ser razoável, porque os pais simplesmente não vêem a morte dos filhos como algo que podem considerar como uma possibilidade (aquela coisa de só ter uma bala restante no revólver, como último recurso, e oferecer ao filho). Agora que eu leio como pai, dá pra compreender a natureza pessoal do livro e torcer por algum vislumbre de esperança no final (ao que consta o livro foi inspirado pelos medos do McCarthy pelo futuro do filho temporão e o mundo escroto que iria herdar).
Eu sinceramente não curto a cultura da paternidade superprotetora que brada que o dia mais feliz da vida foi o nascimentos dos filhos. No livro tem um paradoxo que me irrita, da pessoa que se dedicou à segurança do garoto, é, em última análise, aquela que o mantém longe da rede de segurança estendida de um grupo de pessoas. Sorry not sorry, mas nós só podemos levar nossos filhos até certo lugar. Em algum momento, você tem que oferece-los para o mundo. Foi o que meus pais fizeram a mim, agradeço e espero poder fazer igual.
Como o livro tá o tempo inteiro tentando transcender a morte inevitável em um mundo despojado de história, cultura e natureza, o que resta é o sentido da vida projetado na cooperação social em nível mais elementar, entre pai e filho. Dá pra abrir um precedente enorme contra o suicídio se vc se sentir insignificante, mas ao admitir isso está dizendo que a vida da pessoa que te manteve alimentado, quentinho, seguro e o amou incondicionalmente é inútil (discussão da mãe com o pai no livro). A responsabilidade do pai é não morrer porque precisa cuidar do filho. A responsabilidade do filho é não morrer porque ele é o sentido de vida do pai.
No final das contas a melhor coisa na trama é um mundo no limiar antropoceno (pré-identidade ou pós-dialético) que se resume à questão essencial: se todo o significado preexistente está obsoleto, se a vida não é mais sobre a sobrevivência e perpetuação da espécie, se você sabe que a calamidade é irreversível em milhares de anos, e se você não vê deus lá, qual é o objetivo? Essa coisa inútil de querer colonizar marte ou esperar o paradoxo de fermi se resolver e os monolitos do 2001 e os wormholes de interstellar serem enviados para nos projetar ao futuro. Não, não vão.
“Se ele não era a palavra de Deus, então Deus nunca falou". O livro é um pouco chato, sim, mas é bom pô.
Leituras
pra complementar, The Dystopian Rendering of Ideology and Utopia in Cormac McCarthy’s The Road e Exploding anthropocentrism: understanding optical democracy in Cormac McCarthy’s Blood Meridian
esse longform é demais, vida durante e depois do que será o pior desastre natural da América: The Really Big One
cientista diz que aceitar o fim da vida na Terra é a melhor coisa a fazer. “We’re doomed: Mayer Hillman on the climate reality no one else will dare mention” (incrível realmente que nenhuma ação coordenada consegue projetar para além do ano 2100)
nova safra de artigos sobre os super ricos que estão fugindo pra nova zelândia e pro espaço, ou seja, pra bem longe de nós: The Rich Are Planning to Leave This Wretched Planet e Got Money to Burn Before the Apocalypse? Get a Luxury Doomsday Bunker
arte feita sob o antropoceno: The stories we tell at the end of the world
uma lei pra garantir que os pais deixem os filhos andar na rua sozinhos: Why Utah now has first ‘free-range’ parenting law
notas sobre depressão e suicídio: We totally suck at dealing with suicide
Links
quando for o fim do mundo quero estar nesse fim de mundo
o fim do mundo que me aterrorizou quando criança
morre não mundo, vc é muito lindo
desastre de fukushima relatado pela peãozada que trabalhou para contê-lo
queria que o lula fizesse umas resenhas de livros e cds nesse estilo
paredes doidas de vários filmes e séries
Copa
copa do mundo da cruzada de braços, que venha 2018
camisas dos times da copa ao longo dos anos
série maravilhosa sobre os estádios ingleses
bandeira do brasil literal
copa do mundo totalmente desnecessária
física do chute impossível do roberto carlos
deep learning para melhorar os gráficos do FIFA 18, foda
o que o celular da nokia tem a ver com a seleção alemã
bolada na cara em câmera lenta
primeiro cartão vermelho da copa
meu bolão da copa é esse de baixo, podem cobrar depois. pra mim a frança leva essa fácil
quando faço 3 gols peço chatuba de mesquita
If you don't want these updates anymore, please unsubscribe here
If you were forwarded this newsletter and you like it, you can subscribe here
Powered by Revue