coisas estranhas # - 29
a farsa da boa preguiça
não consigo pensar em nenhum lacre sobre o museu nacional¹, até porque daqui uma semana ninguém fala mais disso². dou três dias.
eu fico triste porque o mundo materialista tá uma espiral de disappointed but not surprised.
a universidade inteira é uma grande farsa. existe um sem número de prédios inacabados no campus, um impacto visual terrível, erros de execução de projeto que o pedreiro mais amador não cometeria, aditivos nos contratos das obras claramente ilegais, centro de tecnologia com nota alta na capes mas que é incapaz de resolver os problemas internos mais elementares, contingenciamento de verba que impede dar sequência ou iniciar qualquer projeto ou comprar livros. é uma lástima total.
no fundo eu torço para que minha biblioteca também pegue fogo, pois talvez só assim a gente receba investimento adequado. mas prontamente mudo de ideia tomando como exemplo a experiência dos colegas de bibliotecas que tiveram problemas: as coisas pioraram ainda mais.
dois momentos que quero registrar no epitáfio do museu. o primeiro é que recentemente um dos funcionários aqui da biblioteca fez uma denúncia anônima no ministério do trabalho sobre nossas condições insalubres e de periculosidade. muitos meses depois os fiscais apareceram, que já é fato raro, e notificaram a biblioteca com diversos ajustes necessários. o estado predial não está tão absurdo, mas qq pessoa sabe q biblioteca é altamente inflamável então toda precaução é necessária. o que foi feito na verdade foi a criação de uma comissão para atender essas demandas, quase todas referentes à parte elétrica, mas na prática nada efetivo foi realizado. existe um suposto controle de extintores e termômetros, mas eu posso assegurar pra vcs que tudo é uma farsa. historicamente a gente sabe que é bastante comum incêndios nos finais de semana, criminosos ou não, então ficamos de sobreaviso nas sextas-feiras pra tirar tudo das tomadas e tal. é uma bomba relógio.
o segundo momento embuste UFRJ é que eu sou o bibliotecário responsável na unidade por receber as avaliações do Inep e Capes. Os cursos todos recebem uma nota que confere status de qualidade e a biblioteca tem um peso razoável no processo. professores nunca colocam o pé na biblioteca, mas vem na véspera das visitas dos avaliadores cheios de carinho querendo saber o que precisam pra tirar boa nota. basicamente a biblioteca precisa ter os livros indicados na bibliografias das ementas das disciplinas e baias de estudo individuais. essas são as duas deficiências mais apontadas, que gerou um alerta recente nos departamentos. daí eu fui, como outras vezes, explicar a situação aos professores. eles basicamente não atualizam suas bibliografias desde 1980 e não indicam reposições ou sugestões de compra de livros por descrédito no sistema de aquisição da universidade. verdade, de que adianta listar e pedir livros se a universidade não tem dinheiro pra comprar? desconhecem os hábitos de estudo dos alunos completamente, SISU piorou ainda mais essa sensibilidade com um perfil de aluno pobre e migrante. por outro lado, eles insistem na manutenção das altas notas conferidas pelo mec/capes com o discurso de qualidade do tripé ensino/pesquisa/extensão, mas eu posso atestar também que isso tudo é uma grande farsa. eles só querem a nota 7 como única saída pra receber investimentos.
o brasil é importador de tecnologia, não se produz inovação aqui, o que é gerado são teses em qualidade baixíssima que não convergem para solucionar qualquer problema real, e aluno e professores numa espiral do inferno emocional provocado pelo produtivismo acadêmico. tudo isso porque a universidade terceirizou sua missão para as agências de fomento e avaliadores. o sistema está completamente quebrado, mas não é possível dissolvê-lo (talvez um incêndio em grandessíssimas proporções).
nada disso me comove mais, especialmente depois que escrevi uma tese sobre o problema e sou prova viva de que o sistema todo é viciado e tende ao corrompimento da pesquisa: se um imbecil e falsário como eu pude terminar o doutorado, qualquer um pode.
o que me comove mesmo é chegar aqui diariamente e sentar nessa mesinha insossa, exercendo protocolarmente meu papel de funcionário público, tendo em mente a premissa da educação pública, gratuita e de qualidade e mantendo-me fiel aos votos da biblioteconomia como profissão dos sonhos especialmente porque não tem fins lucrativos. mas que a minha mesa de trabalho é insossa é, e isso vai minando pouco a pouco.
tudo é uma grande farsa. disputa eleitoral. capitalismo. educação. museu. é tudo farsa.
Because if it's not love
Then it's the bomb, the bomb, the bomb, the bomb, the bomb, the bomb, the bomb
That will bring us together
10:56 PM - 2 Sep 2018
biblioclastia foi destrinchada tão perfeita e tragicamente no livro do fernando baez, que nem sinto falta mais das heranças culturais perdidas da humanidade.
o trabalho que eu tenho me dedicado mais nos últimos 3 anos é a digitalização de todas as teses antigas da Coppe. nós temos uma sala grande cheia dessas teses, defendidas desde 1950s, e depois que a UFRJ inaugurou a chamada Central de Memória Acadêmica, todas as teses “originais” (as que possuem as assinaturas em caneta das bancas) scaneadas vão pra lá. Isso dá um desafogo no nosso esgotamento físico de armazenar cerca de 800 teses que são defendidas anualmente só na Coppe, bem como a segurança de ter as teses digitalizadas, abrigadas na nuvem e disponível pra qualquer pesquisador no mundo.
o meu trabalho e visão de bibliotecário tem sido sempre, desde os primeiros estágios na biblioteca nacional, em digitalizar tudo como uma forma de garantir o acesso e desvelar tesouros escondidos. esse posicionamento é crítico por conta da dicotomia do discurso “acesso”, na ponta da língua de 10 entre 10 bibliotecários: se o acesso é cada vez mais fácil, a gente se torna irrelevante. ao ponto que acredito essa deve ser a função última dos bibliotecários, profissão fadada ao desaparecimento: scanear tudo que possuímos sob nossa salvaguarda e permitir que pessoas de outras áreas, mais qualificadas que nós, façam sentido das obras históricas em formato físico e do conteúdo corrente em formato digital.
eu me dou por satisfeito, mas a parte triste é que existe um ethos profissional que é, historicamente, organização para fins de recuperação dos registros do conhecimento. mas hoje não temos mais governança sobre as plataformas de mediação. tudo é terceirizado para softwares proprietários, códigos de catalogação privados e projetos políticos fracassados.
o Fabiano Caruso tem uma abordagem muito clara em relação à crise da qualificação profissional, porque os modelos de gestão atuais buscam capturar informação e transferir para entidades privadas, enquanto que a biblioteconomia (ou museologia) historicamente se preocuparam com o processo inverso: os artefatos multimeios para dar acesso a população a partir das bibliotecas/museus/arquivos.
obviamente que não estou descartando o senso imaterial dos objetos físicos, dispostos em edifícios. mas essa discussão está beyond the point pq o arco bibliocida ou museucida da civilização é real.
todas as discussões de vanguarda que acompanho vindas do exterior estão preocupadas com os processos de imersão em museus por meio de realidade virtual e digitalização de objetos 3d. deem uma olhada nesse blog pra saber mais.
Links
1. não consigo pensar em nenhum lacre sobre o museu nacional¹, até porque daqui uma semana ninguém fala mais disso²
2. como é ótimo acompanhar as opiniões e factóides no social media né. tem ferramentas específicas pra isso, mas aqui os meus tweets favoritos na noite de ontem. que é onde o saunders perdeu a mão no lincoln no limbo, minha desonesta opinião, porque ele poderia fazer o livro inteirinho, estabelecendo as narrativas e os diálogos utilizando somente as fontes/depoimentos/declarações primárias. trabalho de autor como editor, uma espécie de newsletter de links erudita. não ia ser incrível? já tem algum livro assim?
3. informe: a biblioteca que pegou fogo foi a do PPGAS (Biblioteca Francisca Keller pertence ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social ). A biblioteca do MN propriamente fica no horto, distante alguns metros do incêndio, não foi afetada.
4. soube nos bastidores que uma equipe do INT já havia digitalizado grande parte do acervo em 3d, inclusive estão exportando o expertise pra outros países (reportagem de 2008). mas os scanners estavam dentro do prédio e já era. a tendência é a comoção e eles receberem mais investimentos, o que vai permitir mais digitalizações, em outros acervos.
5. adriana ornellas é bibliotecária do PPGAS, acompanhem os stories dela pra saber as últimas
6. tem muitos vídeos de drones gravados na quinta da boa vista, dá pra ter uma dimensão do museu e arredores, procurem. eu gosto desse aqui
7. projeto esquecido da cidade universitária instalada na quinta da boa vista
quando faço 3 gols peço chatuba de mesquita
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