pandemia aquela coisa, veio pra acelerar alguns processos, os ruins e os bons. deixa eu dar meu testemunho: no mundo das bibliotecas ficou evidente que o pessoal que frequenta sentiu falta do espaço físico (que comprovou ser mais uma vez o nosso maior trunfo) e que as bibliotecas estão muito atrasadas em termos de adoção de tecnologias (comprovou mais uma vez nosso maior defeito).
aí que a firma vai adotar ensino à distância até que se ache uma vacina. nem acho ruim, porque universidade não pode ser obscurantista e tem que dar o exemplo. mas pá, automaticamente torna as bibliotecas irrelevantes. e nem acho ruim tb. porque essa é a discussão mais importante da geração, e ninguém presta atenção, porque bem, corporativismo e resolver o sistema por dentro. não dá. vejam só: se não tem aulas presenciais, ninguém pra frequentar bibliotecas, então a gente perde o único trunfo que a gente tinha, o espaço físico. que que os bibliotecário vão fazer da vida?
sobrou de nós: o acervo e a equipe. o acervo impresso é uma lástima. a universidade simplesmente não compra livros, tentei explicar rapidamente pra jujugomes a realidade aqui, por isso ser tão relevante uma política firme de abastecimento de livros em bibliotecas públicas, com orçamentos dedicados.
a equipe: demorou 20 anos mas finalmente entendeu que o mundo é digital. já que os alunos não tem acesso aos livros em papel, o que sobra é uma tentativa transloucada de criar contas em todas as redes sociais do universo, com engajamento pífio, uma sequência de bibliotecários incestuosos curtindo posts de outros bibliotecários. é tipo vc ser feio e fazer propaganda que é bonito. uma hora alguém vê que sua foto não condiz com seu perfil. bibliotecário que tá nessa e não se deslumbra, se frusta. e pro público alvo esse esforço faz sentido nenhum. biblioteca é livros e só. não inventem moda. peguem o livro impresso e ofereçam a versão digital igualzinha.
a grande questão, o acervo digital: por que não se tem ebooks que os alunos precisam nas universidades? putz, ainda essa mesma questão de 2010. simples, não tem porque a editora não quis vender, a universidade não quis comprar, o usuário não quis ler. os pdfs já estão todos em várias pastas piratas do google drive e nem o autor chora porque ele é um professor e o salário e a pesquisa dele já foram pagos pelo contribuinte. próxima pergunta.
[murakami explicou bem o que eu tenho preguiça de, não sei se vcs todos vão ver porque o post tá semi privado. basicamente as bibliotecas públicas comprariam ebooks como pessoa jurídica, correto? adicione burocracia e órgãos competentes entendem que não se deve adquirir livros como software, como é o caso dos ebooks nas principais livrarias/editoras. UFRJ por exemplo só adquire se for “acesso” perpétuo. das duas uma: ou o legislativo brasileiro muda a compreensão sobre modalidade de aquisição/acesso ou as bibliotecas simplesmente devem assinar o leasing e paciência. acho que dá até mais flexibilidade no desenvolvimento de coleções, avaliar em curto tempo o que é relevante pra comunidade ou não. não sendo, contrato não renova. só não vale esperar nada dos editores científicos muito menos do jeff bezos, aí é burrice demais. existe literatura vasta sobre os problemas que os americanos tem com ebooks e os modelos de negócio. a legislação é confusa, procurem os textos da liliana giusti serra pra esclarecer]
mas um dia as bibliotecas vão voltar e pra isso precisamos nos preparar. esse foi o tema de uma dúzia de webinares. só que existe uma tecnologia que resolve 90% dos problemas pandemia: auto empréstimo. coisa que qualquer bibliotequinha no exterior tem, aqui mal nas universidades privadas. uma máquina que dispensa contato com seres humanos: você é uma pessoa alfabetizada, pesquisa o catálogo, pega o livro na estante, passa o código de barra no leitor e vai pra casa. dias depois você retorna e joga o livro numa caixinha. deu tudo certo. nem chance pro vírus. quanto deve custar um bicho desses no mercado? vou chutar uns 200k, hardware e software. nem é barato. mas deveria ser prioridade número 1 de qualquer biblioteca que se preze. mas podem apostar que vão preferir gastar 200k em álcool gel e aqueles totens ridículos na entrada, quarentena de livros onde já se viu, troço que vão fazer carnaval pra ter na primeira semana, segunda semana já quebrou, ninguém liga mais, vida que segue sem nenhum protocolo de segurança, dinheiro público no lixo, prioridades.
outro ponto: professores vão dar teleaulas, mas qual plataforma adotar? a infraestrutura da universidade é ruim então logicamente todo mundo vai pro google classroom. parabéns aos envolvidos. ruim que seja, acontece que em qualquer universidade do planeta existe uma coisa chamada repositório institucional, que tem a intenção de guardar e disseminar toda a produção da respectiva casa. explique isso pros professores mil vezes e eles não vão entender. porque eles não se importam. nós que somos otários e pagamos pra acessar artigo científico de 20 dólares. e depois vem outro otário reclamar do scihub. sem tempo irmão.
em suma, o que a pandemia trouxe além de desgosto é a necessidade de correr atrás desse prejuizo digital que nos assola. porque é muito simples: a rapaziada queria o sofá da biblioteca mas entende que não vai ter. então o mínimo que esperam é aquele sutil arte de ligar o f*da-se, um yuvalzinho harari, jk rolling transfóbica na ponta do xiaomi android, sem ter que esperar na fila pra pegar o digital emprestado. não conseguimos prover isso até agora, vamos ver quanto tempo mais vai levar.
pensem num scihub, só que “do bem”, sem nenhum problema legal. um portal capes, só que de ebooks. ou um catálogo amazon, que em vez de pagar R$40 mais frete ele te mostra um link pra vc baixar o livro por 30 dias no app da biblioteca pública, de graça. ou a biblioteca mais próxima da sua casa (já que eles estão rastreando tudo, sabem o seu cep), que tem esse livro em papel, se esse é o seu fetiche. se vc for blogueira tudo bem, pague os R$40 e enfeite a estante de casa. mas esse livro pode muito bem ser vendido em um catálogo coletivo de livreiros indie, parceiro das bibliotecas públicas.
o início de um sonho / deu tudo errado
sou taxativo quanto ao fim da profissão de bibliotecário face à robotização. vai acabar sim. o que consola é que ainda temos muito acervo que não foi digitalizado. vai levar mais umas décadas até finalizar esse trabalho. e deixar que inteligência artificial e gente de outras áreas faça a curadoria.
não me impressiona muito, porque já havia assistido demos do google assistant ligando pra restaurante e cabeleireiro, e esses humanoides da boston dynamics que 1) vão matar milhares de civis em guerras sem sentido e depois 2) roubar milhões de nossos empregos. já aceitei a derrota.
mas a novidade da inteligência artificial/machine learning é gpt-3, pesquisem vcs aí, eu resumiria que pode ser um textofake nos moldes dos deepfakes em vídeo que existem. não acredito que seja cargo cult, tá muito claro que IA está se aprimorando, só questão de tempo até que surjam aplicações relacionadas à livros e bibliotecas, tanto boas quanto ruins. vou deixar o robô escrever um artigo científico sozinho pra mim e submeter ao dossiê bibliotecas universitárias e covid.
aqui uma sequência de testes iniciais com chatbot de biblioteca, momento exato que perdi meu emprego
LINKS
os maluco reconstruiram aquela roda de livros retratada num livro de 1500 e bolinha
vídeo maravilhoso da arte perdida do papel artesanal
mais umas cinco pandemias de repente a gente chega nesse nível
galeria florentina humilhando no tiktok
bonita coleção de retratos de negros em estandes fotográficos, décadas 40-60
livraria onde você pode reservar viagem para qq lugar do mundo...na forma de livro
dos poucos webinars que eu suporto, listona do instituto de conservação inglês. semana passada teve um interessantíssimo sobre a coleção de baralhos de tarô do MIT
exposição que ia ser física, mas acabou indo pro digital por causa do covid, e ficou muito foda: história das distorções nos mapas
filmes contemporâneos reimaginados como capas vintage, ficou ruim não
sempre bom entrar no library innovation lab pra ver as coisas sensacionais que eles fazem
bem maneira esse projeto do dropbox de pastas sob curadoria de artistas e autores
algumas fotos das alterações nas bibliotecas portuguesas por conta do covid-19
achei o artigo meio lugar comum mas tem essa planta baixa interessante, representação visual da redução de densidade no interior da biblioteca
excelente explicação por que tantas capas de livros pulp mostram mulheres em blusas vermelhas rasgadas em pântanos, enquanto um homem luta contra um ataque bizarro de algum animal
na última librariana eu deixei uns links de estantes pessoais virtuais como alternativa ao goodreads. achei essa aqui muito bem apresentada
também postei um relato de reabertura de biblioteca pós-covid. aqui um mais recente e bem mais desestimulante. outro olhar enfurecedor de como uma prefeitura tratou a equipe de bibliotecários durante a pandemia, formato graphic novel
argumento difícil pra algumas pessoas mas por que os livros não servem para transmitir ideias. a crítica é mais no sentido do meio de transmissão, tem gente que vai preferir youtube pra aprender alguma coisa hoje. eu gosto muito desses modelos de livros interativos, já é hora
singelo arquivo internacional dos sonhos
muito legal acervo do museu da cultura jovem
processo de digitalização bem simples e perfeitamente explicado
laboratório de conversação renovado ficou nota 10
busca de obras de arte em domínio público, uma beleza
biblioteca da obsolescência programada, curti o conceito
grupo de leitura feminismo de dados
testei esse app de leitura do google com os funabem aqui e aprovei
revisão de literatura e referências cruzadas em formato de redes visuais
artista belga fotografou e categorizou todos os 10.352 objetos em sua casa, mas por que amada
cartões postais sem graça de Portugal, demais
fundo falso de biblioteca para videochamadas, ah não é possível
quero terminar essa newsletter e morar aqui pra sempre
Desgosto foi a palavra que veio à mente já nos primeiros parágrafos...E não é que me deparo com O desgosto em seu texto. Conheci seu blog hoje, gostando mto do jeito q escreve...real, triste e ainda assim cativante. Parabéns!